Ai
ai, os conselhos do Borges, sempre devem ser seguidos... Assim que a
projétil se aproximou do que deveria ser Samanta, eu fui lançada
contra a parede oposta e bati a cabeça em algo que parecia
Portinari. Meus ouvidos zumbiam e haviam pedaços de isopor da falsa
Samanta em todo os lados. Como não estava ouvindo nada, por leitura
labial vi o que Borges, seguro e intacto sentado na cadeira de
balanço que era a uns 3 metros da cama, disse, “Está sangrando”
ele sibilou fazendo um gesto para os ouvidos. Quando eu passei a mão
nos meus, a ponto dos meus dedos estavam embebidos em sangue. Adeus
tímpanos!
Quase
dois minutos a pós a explosão, com os meus sentidos retornando aos
poucos, três homens com roupas de camuflagem estilo floresta,
entraram, até seus rostos estavam pintados e haviam galhinhos em
seus capacetes. Borges respondeu a continência deles e apontou pra
mim. Nada pude fazer e da última coisa que me lembro foi do saco
preto posto em minha cabeça que tinha cheiro de frango queimado.
Ainda
não havia aberto os olhos e mesmo se abrisse de nada me adiantaria,
eu ainda estava usando o saco que tinha cheiro de galinha. Mas era
perceptível que estava dia, e que dia era hoje?
Minhas
mãos estavam amarradas, mas era um nó frouxo, com certeza era um nó
fiador, fácil para mim. Também haviam muitas pessoas ao meu redor,
porém nenhuma delas veio me ajudar. Falavam um dialeto que não
reconheci a princípio, mas algumas eu tinha quase certeza que era
francês. Nó desfeito, tentei ao menos sentar, o chão era arenoso e
estava bem quente, mas não consegui, todo o meu corpo doía.
–
Vão ficar só olhando seus amanqe!
– Era uma mulher que gritava, seu sotaque era algo embolado que eu
quase não conseguia distinguir, mas com certeza, não era brasileira
– Izingulube!
Izingulube! – Ela continuava
gritando, mas tinha certeza que não era pra mim, pois ela ficou
andando ao meu redor, dizendo isso.
Então,
silêncio e depois senti as pessoas se dispersando. A mulher
ajoelhou-se ao meu lado e delicadamente também desamarrou meus pés,
os quais eu nem havia percebido que estavam amarrados, retirou a
corda que mesmo desamarrada ainda estava ao redor dos meus pulsos e
só por fim, tirou o saco preto, com a mesma delicadeza. Assim
que o saco foi retirado, só conseguia enxergar um clarão em volta
de uma forma negra e desuniforme.
–
Jesus Cristo, o que fizeram com
você? Quelle horreur –
Agora ela falou francês, mas eu com certeza não estava na França,
além do mais, ela não fedia – Qualé seu nome?
–
Onde eu estou? — Tentei levantar
mais uma vez, sem sucesso, cada parte do meu corpo estava doendo e
algumas ardiam, com certeza haviam vários ferimentos expostos, nada
grave, mas se uma varejeira pousasse, seria um abraço!
–
No no, qualé seu nome? — ela
insistia e também não me
deixava levantar.
Surgiu
outra forma negra, esta aparentemente estava de pé, pois era bem
maior, parou ao lado da mulher e começou a gritar com ela no idioma
que eu não entendia. Já que não conseguia
enxergá-los com clareza, comecei a olhar ao meu redor. Eram
centenas, milhares, muitos casebres de madeira, outros de
pau-a-pique,
mas a maioria parecia ser
feito de argila
e palha. Em um desses
casebres, pessoas gritavam e gargalhavam em volta de algo que parecia
um crocodilo pendurado de cabeça para baixo.
O chão abaixo de mim era
barro seco e rachado e tinha um cheiro forte de estrume de elefante.
A
forma masculina parou de discutir com a mulher que me ajudava,
bruscamente ele começou a me levantar. Urrei de dor e ele me soltou
bruscamente, choquei-me ao
chão, ele
disse mais uma dúzia
de palavras, aparentemente apavorado e a mulher bateu em sua cara com
força e apontou para mim. O homem suspirou fundo e tentou me
carregar no colo mais uma vez, dessa vez, segurei o grito, porque
tinha algo muito errado com a minha perna direita, bem
tinha algo muito errado com o meu corpo todo.
Entramos
em um dos casebres mais próximos, fui posta sobre uma mesa de
madeira, a mulher que agora pude perceber que era negra, estava com
enormes dreads coloridos amarrados com um pano ainda mais chamativo,
usava um tope ocre, uma calça caqui cheia de remendos. Ela tinha
muitas cicatrizes no rosto, mas isso não a deixava menos bonita. Ela
trancou a porta torta feita de bambu e fechou todas as janelas, do
mesmo material. Ascendeu um lampião que estava no canto da sala,
mais o homem que não havia saído do meu lado riu e apertou um
interruptor que
ascendeu três lâmpadas incandescentes dentre
da casa. Mesmo
assim ela não desligou o lampião e o chamou de idiota em francês.
–
Seu nome? –
o homem me sacudiu ao
perguntar. Resmunguei e a mulher disse mais uma dúzia de palavras
irritada.
O
homem, também negro, era alto e extremamente musculoso. Seu corpo
também tinha muitas cicatrizes, mas seu rosto estava intacto, bem...
não tão intacto, por causa dos quinze pircings, que eu pude contar
com a minha visão ainda embaçada. Era
careca e estava sem camisa com uma bermuda jeans rasgada.
Escolhi
dizer que meu nome era Colt. A mulher sorriu e também se apresentou.
–
Eu sou Abayomi e esse troglodita –
ela disse a palavra com perfeição – é Msanaa. Não vamos
machucar você, mas você está muito doendo – estou muito doendo?
–
Onde eu estou?
–
Na periferia de Burundi – quem me
respondeu foi Msanaa, seu sotaque era completamente diferente, era
mais claro e fluente – fronteira
coma Tanzânia e Ruanda.
–
Vocês
conhecem alguém chamado Borges? Ou quem me deixou ali no chão? –
eles se entre olharam e
optaram por mentir para mim dizendo que não –
Tenho que ir embora –
tentei levantar mais uma vez,
primeiro para averiguar minha situação, segundo porque eu precisava
sair dali, pois com certeza não era seguro, mas Msanaa não deixou
que eu levanta-se, sacou um facão de suas costas e tampou meus
lábios, será que nessas condições eu conseguiria abatê-lo?
Abayomi pegou uma besta que estava em baixo da mesa onde eu estava
deitada e então em percebi que ela já possui uma aljava em suas
costas, que
só possuia
três flechas. Calculando bem com
uma das flechas da aljava eu enfiava bem no meio dos olhos dela,
deitada da mesa, que era alta, eu alcançava a cabeça dela
facilmente e com a flecha que já estava na besta eu colocava o
troglodita no chão... contudo, eu tinha um pequeno problema, estava
com o reflexo de uma tartaruga manca. Porém, nenhum dos dois vieram
para cima de mim, pelo ao contrário, se puseram a minha frente e me
cobriram
com um pedaço de lona. Pela fresta rasgada da lona, pude ver, cerca
de quinze homens entraram bruscamente no recinto, o que parecia ser o
chefe deles era um tanzaniano da tribo dos Shukija, bem se essa
informação procedia...
–
Colt sua vadia, sei que você está
aqui! E esses dois macacos catinguentos vão só retardar a sua morte
neste inferno!
Ah,
a informação procedia sim. Aquele era Kikuto e o tapa olho no olho
direito, foi culpa minha... mas será que ele ainda estava zangado
por isso?
–
KUWAUA WOTE!! –
Acho que isso não
significava “Bem-vindos!”
Abayomi
deu seu primeiro tiro e que bosta de pontaria, ela acertou a parede
no meio de uns cinco. Saltou sobre Msanaa e acertou uns três com um
chute. Um dos homens de Kikuto, tirou a flecha da parede ela fez três
“bips” e explodiu, foi tanzaniano moído pra tudo quanto é lado,
atingindo mais alguns outros que estavam ao seu redor. Msanaa, lutava
muito bem e em menos de três minutos ele já havia dilacerado uns
cinco cabra com seu facão. Abayomi atirou mais uma flecha explosiva,
essa foi bem no peito de um deles e assim, mais carne moída voou.
Porém, eles começaram a se afastar de mim, dando brecha para que
Kikuto se aproximasse e a primeira coisa que ele fez, foi levantar a
lona. Sem ter muito o que
fazer, arranquei uma farpa
bem grande da mesa e furei
o outro olho dele. Os poucos homens que restaram, começaram a fugir,
alguns cotocos, outros chamuscados, deixando seu chefe aos gritos,
com as mãos na cara, para atrás.
Abayomi
subiu sobre as suas pernas
ajoelhadas e puxou ele pelo
os cabelos inclinando sua
cabeça para atrás, deixando o pescoço livre para
Msanaa, que
preparou o facão, mas eu não pudia permitir isso, não ainda.
–
Esperem! –
gritei –
Como você sabia que eu
estava aqui? Quem te mandou? O que está acontecendo?
Ele
gargalhou, disse alguma coisa numa língua estranha e então começou
a espumar pela boca até que caiu no chão, morto.
–
Pastilha de Cianeto –
respondeu Msanaa uma coisa
que eu já sabia.
–
Ele trabalha para alguém, que me
tirou do Brasil pra me matar aqui... agora, como eu vou resolver
isso? – pensei
alto.
–
Acho que estamos com fome então –
disse Abayomi e piscou para
mim. É eu até estava com fome, mas duvido que tenha sido isso que
ela queria dizer.