segunda-feira, 12 de maio de 2014

Capítulo 2

Ai ai, os conselhos do Borges, sempre devem ser seguidos... Assim que a projétil se aproximou do que deveria ser Samanta, eu fui lançada contra a parede oposta e bati a cabeça em algo que parecia Portinari. Meus ouvidos zumbiam e haviam pedaços de isopor da falsa Samanta em todo os lados. Como não estava ouvindo nada, por leitura labial vi o que Borges, seguro e intacto sentado na cadeira de balanço que era a uns 3 metros da cama, disse, “Está sangrando” ele sibilou fazendo um gesto para os ouvidos. Quando eu passei a mão nos meus, a ponto dos meus dedos estavam embebidos em sangue. Adeus tímpanos!
Quase dois minutos a pós a explosão, com os meus sentidos retornando aos poucos, três homens com roupas de camuflagem estilo floresta, entraram, até seus rostos estavam pintados e haviam galhinhos em seus capacetes. Borges respondeu a continência deles e apontou pra mim. Nada pude fazer e da última coisa que me lembro foi do saco preto posto em minha cabeça que tinha cheiro de frango queimado.

Ainda não havia aberto os olhos e mesmo se abrisse de nada me adiantaria, eu ainda estava usando o saco que tinha cheiro de galinha. Mas era perceptível que estava dia, e que dia era hoje?
Minhas mãos estavam amarradas, mas era um nó frouxo, com certeza era um nó fiador, fácil para mim. Também haviam muitas pessoas ao meu redor, porém nenhuma delas veio me ajudar. Falavam um dialeto que não reconheci a princípio, mas algumas eu tinha quase certeza que era francês. Nó desfeito, tentei ao menos sentar, o chão era arenoso e estava bem quente, mas não consegui, todo o meu corpo doía.
– Vão ficar só olhando seus amanqe! – Era uma mulher que gritava, seu sotaque era algo embolado que eu quase não conseguia distinguir, mas com certeza, não era brasileira – Izingulube! Izingulube! – Ela continuava gritando, mas tinha certeza que não era pra mim, pois ela ficou andando ao meu redor, dizendo isso.
Então, silêncio e depois senti as pessoas se dispersando. A mulher ajoelhou-se ao meu lado e delicadamente também desamarrou meus pés, os quais eu nem havia percebido que estavam amarrados, retirou a corda que mesmo desamarrada ainda estava ao redor dos meus pulsos e só por fim, tirou o saco preto, com a mesma delicadeza. Assim que o saco foi retirado, só conseguia enxergar um clarão em volta de uma forma negra e desuniforme.
– Jesus Cristo, o que fizeram com você? Quelle horreur – Agora ela falou francês, mas eu com certeza não estava na França, além do mais, ela não fedia – Qualé seu nome?
– Onde eu estou? — Tentei levantar mais uma vez, sem sucesso, cada parte do meu corpo estava doendo e algumas ardiam, com certeza haviam vários ferimentos expostos, nada grave, mas se uma varejeira pousasse, seria um abraço!
– No no, qualé seu nome? — ela insistia e também não me deixava levantar.
Surgiu outra forma negra, esta aparentemente estava de pé, pois era bem maior, parou ao lado da mulher e começou a gritar com ela no idioma que eu não entendia. Já que não conseguia enxergá-los com clareza, comecei a olhar ao meu redor. Eram centenas, milhares, muitos casebres de madeira, outros de pau-a-pique, mas a maioria parecia ser feito de argila e palha. Em um desses casebres, pessoas gritavam e gargalhavam em volta de algo que parecia um crocodilo pendurado de cabeça para baixo. O chão abaixo de mim era barro seco e rachado e tinha um cheiro forte de estrume de elefante.
A forma masculina parou de discutir com a mulher que me ajudava, bruscamente ele começou a me levantar. Urrei de dor e ele me soltou bruscamente, choquei-me ao chão, ele disse mais uma dúzia de palavras, aparentemente apavorado e a mulher bateu em sua cara com força e apontou para mim. O homem suspirou fundo e tentou me carregar no colo mais uma vez, dessa vez, segurei o grito, porque tinha algo muito errado com a minha perna direita, bem tinha algo muito errado com o meu corpo todo.
Entramos em um dos casebres mais próximos, fui posta sobre uma mesa de madeira, a mulher que agora pude perceber que era negra, estava com enormes dreads coloridos amarrados com um pano ainda mais chamativo, usava um tope ocre, uma calça caqui cheia de remendos. Ela tinha muitas cicatrizes no rosto, mas isso não a deixava menos bonita. Ela trancou a porta torta feita de bambu e fechou todas as janelas, do mesmo material. Ascendeu um lampião que estava no canto da sala, mais o homem que não havia saído do meu lado riu e apertou um interruptor que ascendeu três lâmpadas incandescentes dentre da casa. Mesmo assim ela não desligou o lampião e o chamou de idiota em francês.
– Seu nome? – o homem me sacudiu ao perguntar. Resmunguei e a mulher disse mais uma dúzia de palavras irritada.
O homem, também negro, era alto e extremamente musculoso. Seu corpo também tinha muitas cicatrizes, mas seu rosto estava intacto, bem... não tão intacto, por causa dos quinze pircings, que eu pude contar com a minha visão ainda embaçada. Era careca e estava sem camisa com uma bermuda jeans rasgada.
Escolhi dizer que meu nome era Colt. A mulher sorriu e também se apresentou.
– Eu sou Abayomi e esse troglodita – ela disse a palavra com perfeição – é Msanaa. Não vamos machucar você, mas você está muito doendo – estou muito doendo?
– Onde eu estou?
– Na periferia de Burundi – quem me respondeu foi Msanaa, seu sotaque era completamente diferente, era mais claro e fluente – fronteira coma Tanzânia e Ruanda.
– Vocês conhecem alguém chamado Borges? Ou quem me deixou ali no chão? – eles se entre olharam e optaram por mentir para mim dizendo que não – Tenho que ir embora – tentei levantar mais uma vez, primeiro para averiguar minha situação, segundo porque eu precisava sair dali, pois com certeza não era seguro, mas Msanaa não deixou que eu levanta-se, sacou um facão de suas costas e tampou meus lábios, será que nessas condições eu conseguiria abatê-lo? Abayomi pegou uma besta que estava em baixo da mesa onde eu estava deitada e então em percebi que ela já possui uma aljava em suas costas, que só possuia três flechas. Calculando bem com uma das flechas da aljava eu enfiava bem no meio dos olhos dela, deitada da mesa, que era alta, eu alcançava a cabeça dela facilmente e com a flecha que já estava na besta eu colocava o troglodita no chão... contudo, eu tinha um pequeno problema, estava com o reflexo de uma tartaruga manca. Porém, nenhum dos dois vieram para cima de mim, pelo ao contrário, se puseram a minha frente e me cobriram com um pedaço de lona. Pela fresta rasgada da lona, pude ver, cerca de quinze homens entraram bruscamente no recinto, o que parecia ser o chefe deles era um tanzaniano da tribo dos Shukija, bem se essa informação procedia...
– Colt sua vadia, sei que você está aqui! E esses dois macacos catinguentos vão só retardar a sua morte neste inferno!
Ah, a informação procedia sim. Aquele era Kikuto e o tapa olho no olho direito, foi culpa minha... mas será que ele ainda estava zangado por isso?
– KUWAUA WOTE!! – Acho que isso não significava “Bem-vindos!”
Abayomi deu seu primeiro tiro e que bosta de pontaria, ela acertou a parede no meio de uns cinco. Saltou sobre Msanaa e acertou uns três com um chute. Um dos homens de Kikuto, tirou a flecha da parede ela fez três “bips” e explodiu, foi tanzaniano moído pra tudo quanto é lado, atingindo mais alguns outros que estavam ao seu redor. Msanaa, lutava muito bem e em menos de três minutos ele já havia dilacerado uns cinco cabra com seu facão. Abayomi atirou mais uma flecha explosiva, essa foi bem no peito de um deles e assim, mais carne moída voou. Porém, eles começaram a se afastar de mim, dando brecha para que Kikuto se aproximasse e a primeira coisa que ele fez, foi levantar a lona. Sem ter muito o que fazer, arranquei uma farpa bem grande da mesa e furei o outro olho dele. Os poucos homens que restaram, começaram a fugir, alguns cotocos, outros chamuscados, deixando seu chefe aos gritos, com as mãos na cara, para atrás.
Abayomi subiu sobre as suas pernas ajoelhadas e puxou ele pelo os cabelos inclinando sua cabeça para atrás, deixando o pescoço livre para Msanaa, que preparou o facão, mas eu não pudia permitir isso, não ainda.
– Esperem! – gritei – Como você sabia que eu estava aqui? Quem te mandou? O que está acontecendo?
Ele gargalhou, disse alguma coisa numa língua estranha e então começou a espumar pela boca até que caiu no chão, morto.
– Pastilha de Cianeto – respondeu Msanaa uma coisa que eu já sabia.
– Ele trabalha para alguém, que me tirou do Brasil pra me matar aqui... agora, como eu vou resolver isso? – pensei alto.

– Acho que estamos com fome então – disse Abayomi e piscou para mim. É eu até estava com fome, mas duvido que tenha sido isso que ela queria dizer.

sexta-feira, 18 de abril de 2014

Capítulo 1

Mais um dia na favela da Rocinha... não era justo eu estar aqui, mas o dinheiro da recompensa fez parecer justo. Já faz quinze dias que estou de tocai em uma casa de madeira em uma dessas vielas fétidas. Dizem que esse lugar melhorou? É porque não estão aqui tanto tempo quanto eu, nem tanto tempo quanto as famílias que moram aqui. Mas elas parecem gostar, alias não fazem nada pra mudar essa situação. Carlos Teixeira já vai pro seu terceiro mandado como prefeito do Rio de Janeiro e é um dos piores pilantras que eu já conheci... mas, pelo menos é bom de cama.
– Colt? – Sempre que eu ouvia essa voz, minhas pernas tremiam. Não porque o Capitão Borges era um negro de uns 2 metros de altura, com uma cicatriz na bochecha esquerda, com um corpo de fisiculturista, que usava uma farda preta que tinha mais cheiro de sangue do que a roupa da própria morte, não, não era por isso...
– Borges.
– Seu alvo vai sair da toca essa noite – ele se aproximou mas do que o necessário, tive que olhar para cima para continuar a encará-lo, meu pai sempre dizia para encarar as pessoas – Não faça sujeira aqui, estamos entendidos? – me transmitiu a informação, virou-se e saiu. Minhas pernas ainda tremiam.
Modesta a parte, eu sempre faço o meu trabalho bem feito, mas um aviso do Borges, bem, é sempre bom de se ouvir.
Coloquei as poucas coisas de que precisava pra sair dali o mais rápido possível, pus meu colete Hipist sobre medida, coturnos ok, medalha de São Possenti, ok, amor da mamãe, vulgo Enfield L42, ok! Adeus Rocinha! E juro que farei igual a Carlota Joaquina quando chegar ao aeroporto.
Comecei a me esgueirar na noite. Os moradores quando me viam vindo, entravam em suas casas, tá ai, gosto de pessoas espertas!
Era uma noite sem lua ou estrelas, apenas nuvens carregadas, eu precisava ser rápida. Meu telefone toca, mas não é o comum...
– Qual é o problema Jack? – Ah! Eu esqueci de dizer, Jack era um japa que eu trouxe comigo, ele é bom em derrubar sistemas de seguranças e a mansão do meu alvo, era repleto deles, mas infelizmente eu não entendia muito bem o que ele falava, ainda bem que ele me entendia, isso era o que importava.
Pelo o que eu decodifiquei da ligação, estava tudo limpo, pronto pra eu entrar, e bem, se não estivesse, minhas duas macaquinhas nunca saim da minha cintura mesmo.
Meia-noite, o baile começou, e quem está fazendo a proteção do local? Um bando de PMs de merda. Não gosto de matar mais do que o necessário, aliás mais corpos é mais atenção, menos munição, sem remuneração, esse é meu lema! Mas o problema não era os PMs fazendo a ronda do baile, o problema era porque eles estavam fazendo isso, Heitor Veloso dos Santos Barbosa ou Caquinho. Era o novo chefe do tráfico por ali e sim, ainda tem tráfico na Rocinha, ele na verdade nunca saiu, mas isso não é problema meu, mas gente ruim, mais dindin pra mim. Porém meu foco não era o baile, era o casarão atrás dele, pra ser mais exata, meu foco estava no segundo andar terceira porta a direita.
– Sabe qual é a porra do problema Verônica, caso seja esse mesmo o seu nome, você é muito previsível – Quatro homens extremamente armados até os dentes, pera, aquilo nas costas do segundo é um lança granada? – Mas nós te pegamos, você e o seu ratinho chinês – Jogaram Jack morto, repleto de ferimentos e sem os dois dedos da mão esquerda à minha frente, acho que quando ele me ligou não quis dizer que era pra eu subir.
– Você sobe o meu morro, sem a minha permissão e acha que vai ficar assim mermo sua vadia? – O quinto homem era Caquinho, sua única arma era uma Taurus 44 banhada a ouro, alias, ele era um varal para ouro, tinha até nos dentes, literalmente dessa vez – Mas num tem problema não, porque vou encher tua boca de formiga, assim como eu fiz com o china, acho até que vou fazer uma homenage pa ele, vou escrever na lapide “China! Queria cane, queso e flango” – ele e seus capangas começaram a rir enquanto eu planejava como ia sair dali, precisava ganhar tempo.
– Olha só, quer dizer que você sabe escrever? – O primeiro homem tinha o segundo braço fraturado, era recente, começaria por ele, usaria ele como escudo enquanto com a sua barreta matava o cara três que tinha miopia e era o único sem colete – Porque na atual situação do Brasil, você um menino que tem uma história tão sofrida, que veio de tão de baixo ne?! – o segundo cara era gordo e lento, deixaria ele por último quando eu corresse na direção de Caquinho, um segundo antes do grandalhão engatilhar a escopeta e um segundo depois de fincar minha Bowie na carótida de Caquinho.
– Sua Puta! Ta me tirando? Senta o ferro nela!
Levei cinco minutos a mais que o planejado, o homem três tinha astigmatismo, doença errada, droga! Mas, pelo menos não gastei minha munição, contudo, de brinde acho que o gordão conseguiu fraturar uma das minhas costelas flutuantes.
Caquinho ainda estrebuchava no chão, precisei de dois golpes com a faca, para abatê-lo de verdade. Idiotamente ele tentava estancar o sangramento com as mão. Eu precisava ir, mas não podia deixar de lhe explicar uma coisa:
– Seu nome era Jack e ele era japonês, otário.
1:45h da manhã, estava ficando sem tempo. Mesmo com a costela fudida, tive que entrar na casa pela janela da cozinha. O sistema de segurança havia sido desligado, pelo menos Jack havia feito o seu trabalho. Mas estava fácil demais, silencioso demais e vazio demais, cheguei no segundo andar sem nenhum empecilho.
Adentrei no quarto do meu alvo, ela estava dormindo. Seu pijama de coelhinhos, maria-chiquinhas loiras e abraçando um minion. Seu nome era Samanta, tinha 7 anos e sua vida custava meio milhão de reais.
Coloquei o silenciador na minha 22. O dinheiro e a passagem de avião, me esperavam as 2:30h na Praça XV.
– Eu não faria isso se fosse você – reconheci a voz de imediato.
– Boa noite Borges – sem exitar, puxei o gatilho.